sábado, 19 de novembro de 2011

Breve memória familiar e comercial da África Oriental portuguesa (XXII) – Um projecto do Arquitecto José Forjaz e de Mestre Chale

A certo momento, constata-se que o estabelecimento Casa Reis (da sociedade Domingos dos Reis & Sobrinho, Ld.ª) se tornara ultrapassado e pouco funcional. Surgiu a ideia de o remodelar, para acompanhar, aliás, a transformação arquitectónica que a cidade conhecia na época, nomeadamente a nível comercial, com o aparecimento de estabelecimentos comerciais, hoteleiros e de restauração verdadeiramente «modernos» e com projectos de arquitectura de grande qualidade e funcionalidade.
Sucedeu, nesse contexto, a feliz circunstância de José dos Reis Bravo travar conhecimento com o arquitecto José Forjaz, então a prestar serviço militar em Nampula, e que se dedicava a pequenos trabalhos de arquitectura quase pro bono, exercitando um pouco do que viria a ser o seu «estilo». Expõe-lhe o seu interesse em remodelar o estabelecimento e indaga da disponibilidade daquele para tal tarefa. José Forjaz aceita o desafio. A fachada da Casa Reis, após a remodelação pelo arquitecto José Forjaz

Foi nessa ocasião que o estabelecimento se expande e ocupa todo o rés-do-chão do edifício que já ocupava no lado direito, implicando a transferência da Ourivesaria Tito Martins para a esquina da Avenida Presidente Carmona com a Avenida da Catedral (actuais Paulo S. Kankhomba e Eduardo Mondlane). Aspecto parcial do interior da loja

Nessa tarefa, conta-se com a insubstituível colaboração de Mestre Chale, sobrinho dilecto de Juma Martade, o fiel empregado da firma Domingos dos Reis & Sobrinho, Ld.ª

Aspecto parcial do interior da loja, após a remodelação



Chale demonstrara ser já um carpinteiro e marceneiro de excepção, oficial inteligente, eficiente, esclarecido, meticuloso, reservado e óptimo executante. Chale e José Forjaz entenderam-se na perfeição, referindo muitas vezes José Forjaz que não era preciso acabar de dizer o que pensava fazer, porque o oficial intuía facilmente o alcance do que ele pretendia e avaliava logo da possibilidade de executar a ideia em função dos meios disponíveis. Os "desenhos" do projecto eram esboços feitos a lápis de carpinteiro na parede em bruto (antes dos acabamentos de pintura). E assim se foram desenrolando os trabalhos de execução da obra, que demandou essencialmente muitos acabamentos de carpintaria, com estantes e tectos falsos, sendo projectados os balcões, a divisão dos espaços e o aproveitamento do pé-direito com tectos falsos (que serviriam de armazém).


Aspecto parcial do interior da loja, após remodelação

O arquitecto José Forjaz dirigia e visitava a obra pelo final da tarde e Chale era o encarregado e executante dos trabalhos mais exigentes. Nunca foi necessário mandar refazer um trabalho executado por Chale.


Aspecto parcial do interior da loja


O resultado foi um estabelecimento com decoração de interior de notável qualidade e funcionalidade, adaptado aos negócios, ao clima e à tradição da firma (o que se pensa ser visível nas imagens que ilustram este texto), onde José Forjaz insistiu em manter a velha, mas operacional, máquina registadora, que foi sempre referência da loja, fazendo a ponte entre o passado e a modernidade.

Aspecto parcial do interior da loja, onde é visível a velha máquina registadora National



O projecto simbolizou para a empresa, um ponto de cruzamento, por um lado, entre a tradição colonial e a modernidade tropical, e, por outro, entre o talento artístico do arquitecto português e o engenho do artífice africano.

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