domingo, 28 de setembro de 2008

Fascínio suaíli

(Foto de Belinha Morgado ©)

Jean Paul-Gaultier, John Galliano e Karl Lagerfeld que vão «pentear macacos».

Elegância macua

(Foto de Belinha Morgado ©)


É difícil a manutenção dos edifícios
na Ilha
pois neles recomeça
a gesta de todo o peso
da história

o cheiro dos madeiramentos
carcomidos
súbito o salitre
e a cal que se desprende
das paredes largas
e dos portais

e pousa triturado
no rosto-m´siro
das mulheres

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

As coisas inevitáveis

As coisas inevitáveis
sucedem
quanto mais se pensam evitar

como roldanas
que não travam
arrastando os graves
na imponderabilidade aparente
de uma meteórica subida
sem limite palpável

domingo, 21 de setembro de 2008

Concepções

«Eu às vezes penso que isto, que se afigura possível a muita gente na Europa, de civilizar o preto em África é simplesmente absurdo.
[...]
É preciso que em África haja por cada preto um branco para se realizar esse sonho de muitos espíritos elevados do velho mundo; porque só então o elemento civilizador equilibrará com o selvagem e poderá vencê-lo.
Temos até um exemplo disto com os Bóeres do Transval, que, europeus de origem, em um século apenas perderam tudo que de civilização trouxeram da Europa, foram vencidos pelo elemento selvagem do meio em que viviam e hoje, se são europeus pela cor e pela religião de Cristo que professam, são bárbaros pelos costumes que tiraram do país.»

Serpa Pinto, Como eu atravessei a África.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Das coisas

O criar
das coisas que não são
o que são

e o destruir
das coisas que são
o que não são

Portas abertas da Ilha de Moçambique







sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Mar de Cristo

Georges! anda ver o meu país de marinheiros...
Georges! anda ver o meu país de marinheiros,

O meu país das naus, de esquadras e de frotas!
Oh as lanchas dos poveiros

A saírem a barra, entre ondas de gaivotas!
Que estranho é!
Fincam o remo na água, até que o remo torça,
À espera da maré,
Que não tarda aí, avista-se lá fora!
E quando a onda vem, fincando-o a toda a força
Clamam todos à uma: “Agôra! agôra! agôra!”
E, a pouco e pouco, as lanchas vão saindo
(Às vezes, sabe Deus, para não mais entrar...)
Que vista admirável! Que lindo! Que lindo!
Içam a vela, quando já não têm mar:
Dá-lhes o vento e todas, à porfia
Lá vão soberbas, sob um céu sem manchas,
Rosário de velas, que o vento desfia,
A rezar, a rezar a Ladaínha das Lanchas:

Senhora Nagonia!
Olha acolá!
Que linda vai com seu erro de ortografia...
Quem me dera ir lá!

Senhora Daguarda!

(Ao leme vai o mestre Zé da Leonor)
Parece uma gaivota: aponta-lhe uma espingarda
O caçador!

Senhora d`ajuda!
Ora pro nobis!
Caluda!
Semos pobres!

Senhor dos ramos
Istrela do mar!
Cá bamos!

Parecem Nossa Senhora, a andar.
Senhora da Luz!

Parece o farol...

Maim de Jesus!

É tal qual ela, se lhe dá o sol!

Senhor dos Passos!
Sinhora da Ora!

Águias da voar, pelo mar dentro dos espaços
Parecem ermidas caiadas por fora...

Senhor dos Navegantes!
Senhor de Matusinhos!

Os mestres ainda são os mesmos dantes:
Lá vai o Bernardo da Silva do Mar,
A mailos quatro filhinhos,
Vascos da Gama que andam a ensaiar...

Senhora dos Aflitos!
Martir São Sebastião!
Ouvi os nossos gritos!
Deus nos leve pela mão!
Bamos em paz!

Oh lanchas Deus vos leve pela mão!
Ide em paz!

Ainda lá vejo o Zé da Clara, os Remelgados,
O Jeques, o Pardal, na Nam Te Perdes,
E das vagas, aos ritmos cadenciados,
As lanchas vão traçando, à flor das águas verdes,
“As armas e os varões assinalados...”

Lá sai a derradeira!
Ainda agarra as que vão na dianteira...
Como ela corre!Com que força o vento a impele:

Bamos com Deus!
Lanchas, ide com Deus! ide e voltai com Ele

Por esse mar de Cristo...Adeus! adeus! adeus!

[António Nobre]

domingo, 7 de setembro de 2008

Dhows


O perto longe dos mangais
de terra firme
e a quietude da contra-costa
farão embarcar
os viajantes de um improvável sonho
apeados, agora, de um riquexó.

A Ilha, em dia encoberto



Mansamente, aproximas-te
de um lugar ignorado pelos que ficam
em terra
e a nave resiliente
aporta do seu destino