segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

Ruínas de um tempo ausente [de mim]

Portal do Crematório hindu, Ilha de Moçambique.


Não assisti à erosão
não presenciei o silenciar
das paredes de cal
não cuidei dos ausentes
longe que estive
para te poder valer

Mas hoje quero aceitar
esse degradado inventário,
mas tão meu
tão descuidadamente meu
tão exclusivamente meu.


terça-feira, 25 de dezembro de 2007

Por ser Natal

Hoje, os engenhos
não vão parar
por ser Natal

Os amantes
não irão deixar de se amar
por ser Natal

As tréguas
não impedirão os genocídios
por ser Natal

As guerras
não impedirão a união entre os homens
por ser Natal

Os velhos
não deixarão de morrer
por ser Natal

A vertigem do instante
não se suspenderá
por ser Natal

E, hoje, Cristo
não renascerá
por ser Natal.

segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

Hai ku

Lama
alva
alma

sábado, 15 de dezembro de 2007

Jóia do baluarte


Capela do baluarte
jóia esquecida e resiliente
As tuas pedras
manuelinas
trabalhadas com mestria
e com vigor

os teus sinais
voltados para um mar
que foi caminho
de uma gesta
de rasgo dos temores
mais,
muito mais do que
descobertas e revelações
as gárgolas pacíficas
sentinelas quietas
de credos e raças irmãos
velam, agora, o tempo ausente
dessa vertigem.

domingo, 9 de dezembro de 2007

Ilha de Moçambique


"De longe esta ilha parece parece pequena
Esta ilha é grande"


A Ilha de Moçambique (para os aficionados, simplesmente «a Ilha») - para quem não sabe - é uma porção de terra de cerca de 2,2Kms de comprimento por 2oo metros de largura.

A Ilha foi um lugar predestinado de encontros. De encontros culturais, religiosos, étnicos, científicos e ocupacionais.

A história da Ilha está, em grande medida, por fazer. Há elementos já muito completos sobre a história da Ilha depois da chegada dos portugueses. Não se sabe muito sobre a sua real importância antes dessa época. Não sabemos, sequer, se eram já conhecidos, e em que medida o seriam, os aspectos da Ilha que terão despertado o interesse dos portugueses na sua ocupação e na sua transformação em capital do território até 1898 (ocasião em que foi transferida para a então Lourenço Marques, hoje Maputo).

As edificações da Ilha estiveram, em inícios do séc. XX, em muito mau estado. Talvez não hajam chegado ao estado deplorável em que se encontram hoje muitos desses edifícios (situação exponencialmente potenciada pelo excesso de população - de 1500 habitantes em 1974, para 15.000, actualmente), mas a verdade é que a sua degradação era notável. Assistiu-se, depois, a um processo de reabilitação e manutenção do edificado, que teve o seu momento cimeiro durante o consulado do Dr. Baltasar Rebelo de Sousa (Governador-Geral da Província e autêntico mecenas do território, apoiando muitos artistas moçambicanos, entre os quais Malangatana), em que a Ilha ficou «um brinquinho»: foi o tempo das Jornadas Camonianas, da inauguração da ponte, etc.

Hoje, gostava de partilhar aqui algumas imagens de alguns dos momentos mais gratificantes de uma visita a esse fascinante lugar, concretamente alguns locais de culto, ou melhor, dos cultos praticados desde há séculos na Ilha.



Pátio do templo hindu

Igreja de S. António


Mesquita grande


sábado, 8 de dezembro de 2007

Destino(s)

Pensei em converter este blog num sítio sobre a Ilha de Moçambique. Mas percebi que seria talvez redutor fazê-lo.
Prefiro poder continuar a utilizá-lo como plataforma de publicação de alguns escritos e textos avulsos de ordem metapoética, com o risco real de não interessarem a ninguém.
A Ilha de Moçambique estará presente como leitmotiv, que se convocará sempre que a saudade e o estímulo o sugiram.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

Sinal

Sinais
decibel
imbecil

sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Moledo ao frio

Moledo
ao frio sazonal
A horizontalidade marítima e das ruas desertas
cruzadas ortogonalmente
pela verticalidade dos sinais e dos lampiões.

A escassez de bulício e de transeuntes
hibernação dos corpos
preparando-se para o esplendor solar.

Os pinheiros ordinários
de uma mata icónica.

O forte, a foz, o rio e o mar
confluência histórica e de gentes
Outro país mais ao Norte

Respiração líquida de Inverno
a quietude das areias revolvidas
noutras estações

vejo os passageiros do comboio
olhando o mar
de Moledo.

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Sem título

Com
Com pro
Pro com
Meto
Me to
Compro-me
Compro meto
Com prometo
Prometo com
Comprometo.

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Hai ku

De sistir
In sistir
Re sistir

terça-feira, 13 de novembro de 2007

A clemência do instante

O opróbrio dos expectantes
concedendo-nos a clemência
do instante sorvido
sem qualquer pudor

reservando-se o que perdurar
para além de toda a redenção incorpórea.
Voláteis
como os embustes
de toda a sorte

e, no entanto, somos nós
os seus algozes
impetrando o silêncio,
a sombra e o credo.

sábado, 10 de novembro de 2007

As «ilhas» da Ilha



As crianças esgravatando o chão
os velhos fixando o manto calmo do mar
pescadores entoando canções a bordo
remam para o canal ventoso
que os há-de levar ao alimento
mais que do corpo,
de toda a sua existência

A plebe vivendo, agora, em paços
depois de assalto legítimo
aos armazéns da História
da cidade de pedra e cal

É igualdade em cada rosto
A Ilha é Grândola meridional
e grandiloquente
resistindo no Índico
num reencontrado esplendor
após as ruínas
plurais de um tempo,
não de um lugar.

terça-feira, 6 de novembro de 2007

Antítese tempestuosa

Da antítese tempestuosa
e calma

deflui
o sopro de incompletude
antónimo feroz
e rapace
dum angustiado
existir

domingo, 28 de outubro de 2007

Ordálios fugazes

Desdivinizemos
esses territórios
saturados do leite e do mel
subtraídos à facilidade
do consumo

esses ordálios
ímpares e fugazes
que fermentam
o genoma
de toda a Humanidade

no dealbar das escórias
insalubres dos morros,
argamassados em lágrimas e podridão
mas de traça
imensamente perfeita

à imagem e semelhança
do redentor

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

A razão das perguntas

Por vezes, só depois
percebemos a razão
das perguntas
que devemos fazer

Por vezes, só mais tarde
compreendemos a força
das coisas
que acontecem

acontecendo nelas

Por vezes,
demasiadas vezes,
não entendemos as respostas
porque não sabemos
as perguntas
que devemos fazer

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Mesquita grande

Mesquita grande


Neste raso Olimpo argamassado em febre
E coral, o Deus maior sou eu. Por mais
que as pedras, os muros e as palavras afirmem
outra coisa, por mais que me abram o corpo
em forma de cruz e me submetam a árida

voz às doces inflexões do contochão latino,
por mais que a vontade dos pequenos deuses
pálidos e fulvos talhe em profusas lápides
o contrário e a sua persistência os tenha
por Senhores, o sangue que impele estas veias

é o meu. Pórticos, frontarias, o metal
das armas e o Poder exibem na tua sigla
a arrogância do conquistador. Porém o mel
das tâmaras que modula o gesto destas gentes,
o cinzel que lhes aguça a madeira dos perfis,

a lenta chama que lhes devora os magros rostos,
meus são. Dolorido e exangue o próprio
Cristo é mouro da Cabaceira e tem a esgalgada
magreza de um velho cojá asceta.

Raça de escribas, mandai, julgai, prendei:
Só Alah é grande e Maomé o seu profeta.

Rui Knopfli

sábado, 15 de setembro de 2007

O que [eu] gosto

Não gosto de cavalgar
a crista das ondas

prefiro de longe
os planos lacustres da surdina

as pausas silenciosas
das partituras
da vida

sexta-feira, 3 de agosto de 2007

Ego iconoclasta

A iconoclastia em forma ogival
do teu ego extratípico
A tua aura redentorial
como se fosse em Pasárgada
que se anunciassem
os pêsames de estar vivo

afundando-me no couro do sofá
releio nos jornais
os últimos obituários a haver
das nossas equívocas existências

quinta-feira, 2 de agosto de 2007

O «fiel amigo» pelo Mundo fora

Notem bem este interesse pelas 365 (só?) maneiras de comer bacalhau...

segunda-feira, 30 de julho de 2007

Hai ku

Vê lá, atina
Vê-la ladina
Vê-la latina
Vela tina
Vela latina

domingo, 29 de julho de 2007

As coisas importantes

As coisas importantes só olhas uma vez
mas sua imagem se repete muitas vezes dentro de ti
como um eco.

As coisas importantes que estão dentro de ti
e se repetem constantemente
já não estão presas ao que olhaste atento
mas no silêncio que tens dentro
se libertaram e tornaram incertas.

As coisas importantes no teu dentro
só já a ti pertencem
e nada do que está fora de ti as lembra agora.

As coisas importantes metes numa caixa
que com paciência vais abrindo aos poucos
para esqueceres as muralhas de outro tempo.


Jall Sinth Hussein

Ilha de Moçambique


ILHA DE MOÇAMBIQUE 1972

As ruas desertas cheias de vento
como um deus as paredes enormes do forte assistindo a tudo
a areia longa e lisa e a timidez do mar
a língua perdida como ruínas
na mão o cavalo-marinho e os sonhos
o tempo sem chegada e sem partida
assim haveria de ser mais tarde a minha vida


Jall Sinth Hussein

sexta-feira, 27 de julho de 2007

Sabedoria

O silêncio é uma forma de sabedoria cada vez menos cultivada.

quinta-feira, 26 de julho de 2007

O Porto na encruzilhada

M. J. Marmelo tem nisto alguma, quase toda (a), razão. O Porto, hoje, só é belo ao longe. Quando se observa de perto, é desleixado, abandonado, sujo, pouco brioso, é a imagem urbana e humana do desânimo. Basta comparar com a vizinha V. N. de Gaia, para perceber a grande diferença das dinâmicas urbanísticas e mesmo sócio-culturais.
Só não concordo com a exclusiva atribuição de culpas deste estado de coisas a Rui Rio. Este penoso e - a todos os títulos - lamentável cenário foi-se adensando ao longo dos anteriores mandatos de Fernando Gomes (lembram-se dele?) e Nuno Cardoso.
Penso que os piores maus tratos urbanísticos e os envolvimentos negociais que redundaram em prejuízo para a cidade e para os seus cidadãos foram cometidos antes do mandato de Rio. O que sucede é que, com ele, não se criaram - e talvez não se consigam criar - as dinâmicas e o élan que a cidade precisa. O que é pena.

terça-feira, 24 de julho de 2007

Se fosses...

Se fosses pássaro baterias as asas para destruir a armadilha
Se fosses insecto deixarias círculos apenas ao redor da luz
Se fosses abelha farias zumbir a revolta
Mas és voo pela sombra

Se fosses formiga carregarias a ordem, armazenarias a fadiga
Se fosses flor polinizarias a terra
Serias coroa incorruptível
Se fosses flor através das estações


Daniel Faria, Das Mãos como Livros (poemas).

sábado, 21 de julho de 2007

Natalidade e licenciosidade

O que se passou em Espanha, a propósito de um cartoon que determinou a apreensão (pelo juiz Juan del Olmo, a pedido da Físcalia espanhola) do jornal «Jueves» - no qual os príncipes das Astúrias copulavam para aproveitar os subsídios da política natalista de Zapatero (replicada agora entre nós?) - relança o problema da liberdade de expressão e da licenciosidade.
Os termos da discussão da questão nos nuestros hermanos podem ser acedidos aqui.
Mas, realmente, bate tudo certo. Licenciosidade rima, afinal, com natalidade, não é prof. Freitas?.

Janela «siamesa»



Janela portuguesa de J. Paulo Andrade, a descobrir neste requintado local.

Acabar com o sensível

Queres acabar com o sensível?

Não preferes encetar
uma linguagem de novos signos?

Abandona essas fórmulas
gastas:
enfiteuta, fideicomisso, mútuo, colonia,
dolo, moratória, relapso,
legítima, rédito,
prescrição

tudo são convenções,
combinações entre os homens.

Porque não
inventar outras?

sexta-feira, 20 de julho de 2007

Início de actividade

«Petromax» é um instrumento que ilumina a noite ou a escuridão. É uma espécie de lampião com uma pega, alimentado geralmente a petróleo ou álcool desnaturado, que era preferido por não deixar evolar um cheiro tão intenso.
Na África da minha infância costumava substituir, de ordinário, a «luz eléctrica», a partir de uma certa hora da noite ou quando falhava a electricidade.
Era uma luz tímida, toda doméstica e benigna. Mas lia-se, à sua luz. E contavam-se histórias, de aventuras, algumas, outras de terror (hoje seria de «suspense»).
A sombra que criava era também maior, e essa era um pouco assustadora. Mas não importava muito, porque, pouco depois, íamos dormir.

Não tenho a presunção de «iluminar» seja o que for. Como o «petromax», contentar-me-ei a fazer a luz suficiente para tentar impedir as trevas e os tropeções.
Gostava de começar este blog parafraseando uma antiga máxima, segundo a qual a felicidade - que é, ou deve ser o fim último do Homem (e não a excelência ou a perfeição) - é «um instrumento tão complexo que falta sempre uma peça».
A isso - e pouco mais - se resume a «declaração de interesses» ou de «início de actividade».
Por aqui poderá passar o debate sobre a actualidade, sobre ideias e cultura (especialmente sobre livros em português), viagens, iniciativas públicas, artísticas, científicas e outros temas que certamente vão surgir.