domingo, 1 de janeiro de 2012

Breve memória familiar e comercial da África Oriental portuguesa (XXIV) – D. Manuel Vieira Pinto e a família Reis Bravo

Em finais de 1967 chega a Nampula o novo bispo, D. Manuel Vieira Pinto, designado pelo então cardeal patriarca D. António Gonçalves Cerejeira, que o pretendia afastar do cenário da metrópole, onde a mensagem de D. Manuel acerca da guerra e da dignidade do Homem começara a ser incómoda para as autoridades civis e eclesiásticas.
O apostolado de D. Manuel Vieira Pinto imprimiu uma marca relevante na posição de alguns sectores da Igreja Católica em Moçambique e nos outros territórios ultramarinos, sobre as questões coloniais e, sobretudo, quanto à guerra.


Aspectos da Catedral de Nampula em 1965


José dos Reis Bravo e Maria Vitória sentiram-se impelidos a participar mais activamente na vida da Diocese de Nampula, com a chegada do então «novo» bispo. D. Manuel Vieira Pinto (que assinava como «Padre Manuel, bispo de Nampula»). Maria Vitória Bravo na catedral de Nampula em 2009 Aspecto do interior da Catedral de Nampula em 2009



D. Manuel era «novo» em diversas acepções: era um bispo recentemente ordenado e vinha de um grupo de reflexão cristã e missionária muito próxima do ex. bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes, com ideias progressistas no seio da Igreja – pretendendo cumprir as determinações do Concílio Vaticano II – mas também ao nível político, apoiando a procura de soluções pacíficas para a guerra colonial dos territórios ultramarinos.

D. Manuel congregou o apoio de muitos religiosos e religiosas já estabelecidos no território, como eram os casos do padre Sousa (depois assumiria o cargo de secretário episcopal), de padre Costa e irmão Dias (da paróquia central), do padre Patrício, conseguindo atrair alguns outros, devido à sua forma de viver a Igreja e a Verdade de Cristo. Do conjunto dos seus colaboradores mais próximos, podem lembrar-se ainda os padres José Luzia, João Manuel, Germano Leça, Maria Adelaide Balcão Reis (que foi professora de Jorge Bravo), que comungavam das ideias de igual dignidade das pessoas e dos princípios da não discriminação e da Paz, que eram o principal programa de D. Manuel: uma Igreja de Verdade na Terra. Convém também recordar a permanência periódica do padre Vitor Feytor Pinto enquanto prelector dos primeiros cursos do Movimento por um Mundo Melhor, bem como de Frei Miguel de Negreiros. Entre as religiosas, não se poderão esquecer as irmãs da Casa de Saúde do Marrere e as irmãs Valente e Sacré Coeur, da leprosaria da Namaíta.

Painel da Catedral de Nampula, da autoria do pintor João Araújo (amigo de D. Manuel Vieira Pinto que lhe encomendara o trabalho )


O casal Reis Bravo conta-se entre os primeiros apoiantes de D. Manuel. Essa dedicação e amizade fizeram-nos tornar-se leigos activos na vida diocesana, desempenhando diversas actividades dentro dos Cursos de Cristandade, do Movimento para um Mundo Melhor, da paróquia central de Nampula e junto de projectos do próprio Paço episcopal, como o de desenvolvimento social e humano do bairro do Namicopo (Pax et Caritas).
Até à expulsão de D. Manuel Vieira Pinto pelas autoridades coloniais, em Março de 1974, após diversas manobras de desestabilização das pessoas do círculo de relações do bispo, o casal Reis Bravo manteve-se sempre apoiante do bispo, não evitando, por isso, ter o escritório do seu estabelecimento devassado, sem qualquer motivo invocado, por agentes da então DGS.


D. Manuel com leigos e religiosos, em recepção no Paço episcopal de Nampula, aquando da inauguração do Centro Social Pax et Caritas, que contou com a presença de D. Maria das Neves Rebelo de Sousa, esposa do então Governador-Geral, Baltasar Rebelo de Sousa.


Entre as actividades mais relevantes que José dos Reis Bravo desempenhou na Diocese de Nampula – e muitas outras houve – pode mencionar-se a de provedor do Hospital do Marrere, onde, aliás nasceram os três filhos do casal e onde José Bravo foi operado com êxito a uma rotura do tendão de Aquiles, pelo Dr. Freixo Osório, por indicação do saudoso Dr. Júlio Monteiro, Director Clínico do Hospital.

Provisão de D. Manuel a formalizar a Mesa da Direcção do Hospital do Marrere


O empossamento no cargo formalizou-se em 6 de Agosto de 1973, embora já antes dessa data José Bravo desempenhasse efectivamente as funções inerentes ao mesmo. No decurso do seu mandato, José dos Reis Bravo pôde contar com o permanente e estusiástico apoio das irmãs, corpo clínico e demais pessoal da Casa de Saúde, tendo levado a cabo um conjunto de obras e melhoramentos de todo o equipamento, como remodelação da sala de partos e do bloco operatório, construção de nova cozinha, obras de construção de quarto de banho privativo em todos os quartos individuais, melhoramento das condições da enfermaria dos doentes nativos, os quais tinham tratamento gratuito, em função do contributo dos doentes com mais posses.

D. Manuel, com leigos e crianças das aldeias próximas de uma Missão (vendo-se António Bravo, à esquerda e Maria Vitória à direita de D. Manuel)

Aspecto do Hospital do Marrere em 2009


A amizade e apoio a D. Manuel Vieira Pinto (entretanto nomeado arcebispo pelo Papa João Paulo II) foi uma constante até à sua expulsão (em Março de 1974, após a divulgação do documento «Imperativo de Consciência»), mantendo-se após o seu regresso a Nampula e a Independência do País, até à actualidade, seguramente devido ao conteúdo intrínseco da sua mensagem apostólica e, essencialmente, das suas coerentes práticas.