domingo, 29 de maio de 2011

Breve memória familiar e comercial da África Oriental portuguesa (VIII) - o irmão Domingos dos Reis e o sobrinho José dos Reis Bravo

O sobrinho, José dos Reis Bravo, então com 14 anos, é aliciado a ir juntar-se ao tio Domingos dos Reis, viajando com este após um período de férias na metrópole, com a família. Em Fevereiro de 1946, desembarcam na Ilha de Moçambique, fixando-se em Nampula, junto dos tios.
José dos Reis Bravo começa imediatamente a colaborar com o tio Domingos nos ramos comerciais a que este, então, já se dedicava, na exploração do Café Nacional: hotelaria (pensão, restaurante, bar e café), tabacaria, lotarias, valores selados, jornais e revistas, louças, tecidos e modas, fornecimento de gás, brindes, agência de seguros, representações de artigos diversos, importações e exportações (comércio geral, por excelência).
José dos Reis Bravo, no escritório do Café Nacional



A excelente localização (na então Avenida presidente Carmona, actual Paulo S. Kankhomba) do estabelecimento e a reduzida concorrência, fizeram prosperar o negócio, não sem que tal exigisse uma dedicação e esforço de todos, designadamente do recém-chegado sobrinho, que se adaptou com relativa facilidade ao estilo de vida e ao trabalho para que fora recrutado.
Os primeiros tempos do sobrinho José dos Reis Bravo foram de adaptação a um novo modo de viver; foi um desafio à forma como um rapaz de 14 anos se integra num ambiente estranho, algo distante dos problemas da gestão comercial, mas conseguiu superar esse repto e adaptou-se às novas condições de vida, passando a viver num quarto com banho no edifício contíguo ao do Café Nacional, que o tio Domingos entretanto construíra e passaria a ser, anos mais tarde, o edifício da residência e o estabelecimento principal da sociedade que formariam.

José dos Reis Bravo (à direita) e um amigo. Nota de 1$00 em curso na Colónia de Moçambique O balcão do Café NacionalJosé dos Reis Bravo insere-se no meio social comercial e desportivo, desenvolvendo a sua faceta de praticante de voleibol, futebol e, posteriormente, de ténis, representando diversos clubes, com preponderância para o Sporting Clube de Nampula. Conhece o meio e terras limítrofes, sobretudo em digressões proporcionadas pela prática desportiva, deslocando-se a muitos locais da zona Norte de Moçambique. O edifício do Sporting Clube de Nampula O edifício do A. Teixeira (Niassa), Ld.ª (em construção).


Nessa época, haviam-se já instalado outras firmas, como o Entreposto Comercial de Moçambique, A. Teixeira (Niassa), Ld.ª, Adolfo Matos, Pendray Sousa, Catoja, Bazar Favorito, Lopes Cravo, Espingardaria Nazaré, entre outras, que figuravam como co-pioneiras no desenvolvimento comercial de Nampula.

domingo, 22 de maio de 2011

Breve memória familiar e comercial da África Oriental portuguesa (VII) - o irmão Domingos dos Reis (cont.)

Muito do que Nampula se veio a tornar, ficou a dever-se à actividade empresarial e, também, às funções por si desempenhadas no cargo de vereador e de presidente do Conselho Municipal, que ocupou por diversos mandatos. Vista geral da cidade em 1960.

Contribuiu decisivamente para que Nampula se viesse a metamorfosear de uma vila com potencial de desenvolvimento numa cidade bem planeada e com um urbanismo racional e harmonioso, chegando a adoptar o epíteto de «Nampula – a Linda», convertendo-se na capital do Norte de Moçambique. Ali se instalaram serviços públicos de todas as valências, em que veio a preponderar o Quartel General da Província e, já em meados dos anos 60, o Hospital Egas Moniz, equipamento exemplar para época e ainda hoje constituindo modelo arquitectónico, bem como um Museu, cuja actividade científica no âmbito da etno-antropologia deu origem à edição periódica de um boletim que se veio a converter em referência internacional.
Domingos dos Reis teve, no âmbito dessas atribuições, oportunidade para se tornar proprietário de alguns terrenos cuja localização se veio a revelar privilegiada.

Aspecto da Avenida ex-Presidente Carmona (actual Paulo S. Kankhomba) em frente ao Café Nacional.

Adquiriu praticamente um quarto de um dos quarteirões centrais da parte alta da cidade, compreendido entre o prédio do ex-Lopes Cravo e Pendray Sousa e o edifício da Casa da Câmara (actual Assembleia Municipal, abaixo da ex-Casa Dias, cujo edifício vendeu aos irmãos Acácio e Francisco Dias) e um terreno entre as Avenidas Neutel de Abreu e António Enes, em frente ao Colégio de Nossa Senhora das Vitórias.
Vista actual do 1/4 do quarteirão, em que se vê o edifício de cabeleireiro, o telhado da Sapataria Gonçalves e da Barbearia, o edifício de Domingos dos Reis & Sobrinho, Ld.ª (actual New Stationery) a (Nova) Zuid (ex-Café Nacional), a Primus Modas e a Ourivesaria Tito Martins, vendo-se ainda os telhados da Casa Dias.



Foto do casamento do Domingos dos Reis e de Haidée Lopo.

Com o regresso do irmão João à metrópole, Domingos dos Reis, apesar de casado e de ter duas filhas, sente a necessidade de um apoio, preferencialmente familiar, para o ajudar a desdobrar-se nas suas tarefas empresariais.




Propoe, assim, a um sobrinho, José, filho da irmã Laura, na época estudante em Braga, a sua ida para Nampula, o qual, com 14 anos, e obtido o acordo familiar, em 1946, aceita o desafio e parte para o território numa das viagens de regresso em que o tio Domingos viera, com a família, em férias, à metrópole.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Breve memória familiar e comercial da África Oriental portuguesa (VI) - o irmão Domingos dos Reis (cont.)

Domingos dos Reis revelou-se um comerciante com visão prospectiva e um empreendedor que aproveitou as oportunidades que o processo de desenvolvimento de uma urbe como Nampula potenciou.
Além disso, Domingos dos Reis – à semelhança do irmão João dos Reis, que ocupara na Ilha de Moçambique diversos cargos e funções de interesse público – dedicou-se, também, à causa pública, tendo sido vogal da Comissão Administrativa (correspondente à actual câmara municipal) da Vila de Nampula e, em certo momento, seu presidente.
O edifício onde primeiro funcionou a firma João dos Reis & Irmão, já após a instalação da firma Cassam Vissram, depois da urbanização da Av. Presidente Carmona.

Casa de Domingos dos Reis e esposa na Ilha de Moçambique. O casal em visita em 1970.


Era um tempo de expansão da urbe, pelas incessantes necessidades de estabelecimento de serviços públicos, empresas industriais e comerciais, bem como de fixação de população, chegada da metrópole para os quadros que se tornava necessário preencher. Importava providenciar por infra-estruturas de toda a ordem, desde edifícios que pudessem servir de instalações de serviços públicos coloniais (nos domínios ferroviário, aeronáutico, agrícola, da saúde, de ensino, militar e administrativo) a complexos residenciais. Esse processo de desenvolvimento que começou a ter lugar no início da década de 40 do séc. XX, conheceu o seu expoente na transição da década de 40 para a de 50.


Um dos edíficios mandados construir por Domingos dos Reis, em Nampula.


Só depois, a partir do início do início da luta armada de libertação (1961), a urbe experimentou novo processo de reexpansão, podendo dizer-se que, em meados da década de 60, o núcleo urbano da cidade de Nampula se havia estabilizado, com a configuração que ainda hoje, em grande medida, apresenta.
Domingos dos Reis foi, à sua dimensão, um dos artífices daquele primeiro processo de ordenamento e desenvolvimento da então Vila de Nampula, a vários títulos notável.


A catedral de Nampula em construção.

Mercê da existência de extensos espaços no meio de um planalto, traçou-se prospectivamente uma cidade de malha ortogonal, de acordo com os princípios do “modelo urbanístico colonial francês”, com largas avenidas principais de duas vias e com arruamentos secundárias de dimensões generosas. Tal traçado permitiu sempre um tráfego automóvel e pedonal desafogado, bem como uma harmoniosa integração do património construído na paisagem natural. Só raramente assim não foi.
Foi este o tempo do início da construção da catedral de Nampula (também se construíram catedrais em África), de projecto de Raul Lino, da rotunda do Infante, e de diversos edifícios de relevo.


Construção e arruamento da Praça do Infante, ao fundo da Av. Presidente Carmona.


Início da Av. Pres. Carmona, em Nampula, perto da estação dos CFM.



Conforme já se disse, é em 1935 que a cidade de Nampula se converte em capital de Distrito, destronando a Ilha de Moçambique. Em 1940 é instituída a diocese de Nampula. Só em 1956 a Vila é elevada a cidade Nampula.
Domingos dos Reis prossegue o giro do Café Nacional e de gestão do seu parque edificado, do qual recebe o rendimento que lhe permite começar a pensar em reformular o seu projecto de vida e o progressivo abandono do território.

domingo, 1 de maio de 2011

Breve memória familiar e comercial da África Oriental Portuguesa (V) - O irmão Domingos dos Reis (cont.)

Domingos dos Reis veio estabelecer-se em Nampula, já o dissemos, pelo incentivo do irmão João. Nampula conheceu um processo de desenvolvimento mais acelerado a partir de 1934, incentivou os irmãos sócios a ali se fixarem com mais permanência. Domingos dos Reis casou com Haidée Lopo ainda na Ilha de Moçambique. Tiveram duas filhas, Natália e Maria Alice, residindo uma actualmente em Portugal, outra no Canadá.
Ali prosseguiu a consolidação da actividade comercial da sociedade João dos Reis & Irmão, não descurando, no entanto, algumas iniciativas pessoais, nomeadamente no tocante à expansão de um importante património imobiliário, numa fase em que se fazia sentir a carência de infra-estruturas para o estabelecimento de actividades oficiais, comerciais e habitacionais. Deu, assim, início à construção de uma série de edifícios em diversos locais de Nampula, muitos deles ainda hoje em bom estado e em perfeitas condições de utilização, que dava de arrendamento.
A primeira dessas construções foi a do original Café Nacional (que é edifício onde hoje se encontra a «Nova Zuid») e do complexo comercial anexo, onde durante muito tempo esteve instalada a Casa Primus e a Ourivesaria Tito Martins. Para ali se transferiu o estabelecimento da sociedade João dos Reis & Irmão, que ocupou, como já tivemos ocasião de dizer, o primeiro edifício de alvenaria de utilização particular, da localidade.
Tratou-se de um impulso muito relevante na expansão das actividades comerciais, pois que foi ali que a sociedade conheceu um período de maior consolidação, com a exploração da actividade de hotelaria (pensão e café), representação de seguros, venda de lotaria, valores selados, importação e exportação de artigos por junto e, posteriormente, posto de abastecimento de combustíveis.
Café Nacional




O Café Nacional tornou-se numa espécie de ponto de encontro obrigatório entre funcionários, militares, comerciantes, bancários, caixeiros-viajantes (que lá ficavam alojados), «machambeiros» (que vinham à localidade tratar de assuntos burocráticos e abastecer-se de produtos e equipamentos), os quais se reuniam ao fim da tarde para discutir a actualidade da vida da Província. Sempre, é claro, acompanhado de bom marisco e muito gin, whisky com gelo e outras bebidas adequadas ao clima.

Edifício onde se instalou a firma Vitoldás, contígua ao estabelecimento original de João dos Reis & Irmão.

Domingos dos Reis, esposa e uma das filhas.


A actividade da sociedade prosseguiria normalmente até 1949, ocasião em que o irmão João decide regressar à metrópole, pondo fim e liquidando a mesma. Fariam partilha dos bens, ficando o edifício da firma Cassam Vissram, uma quinta entretanto adquirida pela sociedade no Norte de Portugal e a livraria de Braga para o irmão João. Para Domingos ficou o resto dos imóveis em Moçambique e o património social, que continuou sob o seu giro pessoal.


Domingos dos Reis permanece na Província, abandonando progressivamente as posições da Ilha de Moçambique e de Angoche, concentrando-se nas actividades - agora a título individual - na então vila de Nampula.