sábado, 24 de setembro de 2011

O Regresso dos Lusíadas

Vela parda, barca sem leme
ao leme da aventura desventurada,
à praia original regressamos: granito
e basalto, livor de estátuas perfiladas,
friagem do sono sem sonhos

As chagas do tempo e da febre,
as cicatrizes da ausência e do olvido,
emprestam à madeira ardida
dos rostos a pintura de estrangeiros.
Incómoda memória sangrada

em silêncio, ao longo da noite perplexa,
à praça original regressamos:
surda e endurecida no gosto
da cobiça, não concede a pátria
o favor que havia de acender

o engenho. E a magra tença,
se mal resguarda o corpo enfermo,
menos guarda o inverno da alma.
Em cinzas e sombras no abismo
baixaremos: esconjuros e autos-de-fé

não logram corromper a árdua
incomburência do testemunho
que somos; mais que a fria
laje da hipocrisia, durará
o remorso desta voz enrouquecida.

{Rui Knopfli, A Ilha de Próspero}

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