sábado, 22 de outubro de 2011

Breve memória familiar e comercial da África Oriental portuguesa (XIX) – Uma infância africana (3.ª parte)

A família Reis Bravo não vivia propriamente com dificuldades (embora não se pudesse dizer que vivia desafogadamente), mas sempre se fez questão de moderar as despesas, reutilizando e reciclando roupas, utensílios e livros escolares, havendo a clara noção da necessidade de racionalizar as finanças familiares. A mãe e os irmãos

Em termos educativos e disciplinares, os irmãos António e Jorge não deram especiais preocupações aos pais, tendo um percurso escolar normal. Privilegiavam-se como castigos as privações de privilégios e proibições de saídas de casa ou de idas ao cinema e à piscina, uma das principais atracções de recreio para a juventude de Nampula. Também era fomentado o mérito escolar, com a atribuição de prémios por notas elevadas. Tó entre amigos e crianças protegidas numa Missão


Entre os amigos mais próximos dos irmãos Tó e Jorge, podem enumerar-se, sempre com risco de alguma injustiça de omissão, os colegas Vidinhas, Francisco Matias, Nandocas e Ulisses Marta da Cruz, “Kiko”, Luís Moutinho, José (Manuel dos Reis) Pereira, Jorge Nascimento, Peixe, Xavier, José Miguel Morgado, Zé Rebelo, Tó Mané Correia. Entre as amigas, que também as havia, podem enumerar-se as irmãs Cruz, bem como as colegas Ângela Dias, Ana Maria Hernâni, Ângela Margarida (“Guida”) Pires, Nani Bragança, além dos irmãos e vizinhos Armando e Alda Gonçalves. Apenas uma vez, após “brincadeira” que poderia ter tido consequências muito nefastas – pedradas atiradas reciprocamente, tendo acertado uma no queixo de António –, o pai castigou ambos corporalmente (com reguadas nas mãos), após sutura do queixo de Tó, no Hospital, salientando de forma mais “veemente” a inconsciência e gravidade das consequências (para os próprios) da “brincadeira”. Aspecto parcial da Av. Presid. Carmona (actual Paulo S. Kankhomba)

Certo dia, um episódio fugiria à rotina no quotidiano de Jorge: encontrara um miúdo negro a pedir esmola, e não tinha dinheiro nem outros bens para lhe dar. Nessa altura, o camarão pequeno e o amendoim eram servidos gratuitamente quando acompanhassem cerveja ou outras bebidas, nos restaurantes e cafés. Pensou então num estratagema que, se batesse certo, aliviaria a fome do miúdo e dirigiram-se os dois à esplanada da Pousada Moura. Aí, pediu ao empregado que lhes trouxesse um prato de amendoim e um prato de camarão acompanhados de… água. O empregado ficou surpreendido, mas, ou porque tivesse percebido a situação ou porque tivesse decidido assumir ele alguma comparticipação na «despesa», serviu o pedido e trouxe os pratos de camarão e de amendoim, acompanhados de … água. O pequeno comeu, deliciadamente, o camarão e o amendoim, e Jorge bebeu água. Esplanada da Pousada Moura


No final, perguntou ao empregado «se…era alguma coisa»?, tendo-lhe este respondido que «Não», não deixando de sorrir, ante o expediente ardiloso para atenuar a fome daquele miúdo, do qual nunca mais soube. Jorge agradeceu ao empregado, que já conhecia de vista e entre ambos nasceu uma relação de respeito e amizade cúmplices, desde esse dia.






(Fotos ext. do Livro Recordações de Moçambique, Carlos Alberto Vieira, Aletheia Ed.)

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