sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Mar de Cristo

Georges! anda ver o meu país de marinheiros...
Georges! anda ver o meu país de marinheiros,

O meu país das naus, de esquadras e de frotas!
Oh as lanchas dos poveiros

A saírem a barra, entre ondas de gaivotas!
Que estranho é!
Fincam o remo na água, até que o remo torça,
À espera da maré,
Que não tarda aí, avista-se lá fora!
E quando a onda vem, fincando-o a toda a força
Clamam todos à uma: “Agôra! agôra! agôra!”
E, a pouco e pouco, as lanchas vão saindo
(Às vezes, sabe Deus, para não mais entrar...)
Que vista admirável! Que lindo! Que lindo!
Içam a vela, quando já não têm mar:
Dá-lhes o vento e todas, à porfia
Lá vão soberbas, sob um céu sem manchas,
Rosário de velas, que o vento desfia,
A rezar, a rezar a Ladaínha das Lanchas:

Senhora Nagonia!
Olha acolá!
Que linda vai com seu erro de ortografia...
Quem me dera ir lá!

Senhora Daguarda!

(Ao leme vai o mestre Zé da Leonor)
Parece uma gaivota: aponta-lhe uma espingarda
O caçador!

Senhora d`ajuda!
Ora pro nobis!
Caluda!
Semos pobres!

Senhor dos ramos
Istrela do mar!
Cá bamos!

Parecem Nossa Senhora, a andar.
Senhora da Luz!

Parece o farol...

Maim de Jesus!

É tal qual ela, se lhe dá o sol!

Senhor dos Passos!
Sinhora da Ora!

Águias da voar, pelo mar dentro dos espaços
Parecem ermidas caiadas por fora...

Senhor dos Navegantes!
Senhor de Matusinhos!

Os mestres ainda são os mesmos dantes:
Lá vai o Bernardo da Silva do Mar,
A mailos quatro filhinhos,
Vascos da Gama que andam a ensaiar...

Senhora dos Aflitos!
Martir São Sebastião!
Ouvi os nossos gritos!
Deus nos leve pela mão!
Bamos em paz!

Oh lanchas Deus vos leve pela mão!
Ide em paz!

Ainda lá vejo o Zé da Clara, os Remelgados,
O Jeques, o Pardal, na Nam Te Perdes,
E das vagas, aos ritmos cadenciados,
As lanchas vão traçando, à flor das águas verdes,
“As armas e os varões assinalados...”

Lá sai a derradeira!
Ainda agarra as que vão na dianteira...
Como ela corre!Com que força o vento a impele:

Bamos com Deus!
Lanchas, ide com Deus! ide e voltai com Ele

Por esse mar de Cristo...Adeus! adeus! adeus!

[António Nobre]

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