terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Muipíti



Ilha, velha ilha, metal remanchado,
minha paixão adolescente,
que doloridas lembranças do tempo
em que, do alto do minarete,
Alah - o grande sacana! - sorria
aos tímidos versos bem comportados
que eu te fazia.

Eis-te, cartaz, convertida em puta histórica,
minha pachacha pseudo-oriental
a rescender a canela e açafrão,
maquilhada de espesso m’siro
e a mimar, pró turismo labrego,
trejeitos torpes de cortesã decrépita.

Meu Sitting Bull de carapinha e cofió,
têm-te de cócoras na sopa melancólica
de uma arena limosa e marinha,
gaivota tonta a adejar inutilmente
ao lume de água contra a amarra
que te cinje para sempre
ao bojo ventrudo do continente.

De teu, cultivam-te a vénia e a submissão
solícitas, trazidas nos pangaios
lá do distante Katiavar,
expondo-te apenas no que tens de vil,
razão talvez para que ao longe, de troça,
pisquem mortiças as luzes do Mossuril
ou sangre no meu peito esta mágoa incurável.

Mas retomo devagarinho as tuas ruas vagarosas,
caminhos sempre abertos para o mar,
brancos e amarelos filigranados
de tempo e sal, uma lentura
brâmane (ou muçulmana) durando no ar,
no sangue, ou no modo oblíquo como o sol
tomba sobre as coisas ferindo-as de mansinho
com a luz da eternidade.

Primeiro a ternura da mão que modulou
esta parede emprestando-lhe a curva hesitante
de uma carícia tosca mas porfiada
logo o cheiro a sândalo, o madeiramento
corroído da porta súbito entreaberta,
o refulgir da prata na sombra mais densa:
assim descubro subtil e cúmplice,
que a dura linha do teu perfil autêntico
te vai, aos poucos, fissurando a máscara.


[Rui Knopfli]

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