Numa operação que hoje se designaria de “marketing vitrinista” (de elevado recorte), José dos Reis Bravo colocou, certa ocasião, na montra, diversos molhos de papel da mesma medida de notas de 1.000$00, com uma nota real por cima, dando a ilusão de se tratar de montes de notas perfazendo 1.000.000$oo (cerca de € 5.000,00). Composição vitrinista desaconselhada pela PSP de Nampula, devido às tentações que podia incitar
Durou pouco a veleidade “vitrinista”, sendo prontamente intimado pelo comandante da PSP local a retirar tais artigos, dado o potencial de atracção que representava para “interessados” no “prémio” exposto, atendendo a que naquele período se verificava uma incidência inusitada de crimes de furto.
Havia, naturalmente, diversos cauteleiros de etnia macua, que procediam à revenda da lotaria à consignação, tendo um período limite para a sua devolução, podendo destacar-se, pela sua notável eficiência e espírito de entrega ao trabalho, os cauteleiros Peliquito “Chico” Mussa, “Piconero” e Pastola Sitora. Dos dois primeiros há que registar o seu empenho e a longa permanência ao serviço da Casa Reis. O último tinha uma deformidade congénita na coluna, o que o tornava especialmente procurado, dada a superstição de alguns jogadores, segundo os quais «dava sorte» roçar com os bilhetes de lotaria na corcunda.Aspecto do exterior da Casa Reis, no dia que foi pago o prémio
Nos diversos anos em que se vendeu lotaria, muitos bilhetes foram premiados, a cidadãos de todas as condições e extractos sociais. Por se tratar de prémios de valor relativamente baixo, nunca houve qualquer incidente no tocante ao pagamento e recebimento dos mesmos, por parte dos titulares dos mesmos. Contudo, quando se tratava de valores de prémios considerados «muito elevado», as autoridades administrativas pretendiam sempre restringir aos titulares – numa atitude “colonial-paternalista” –, tratando-se de cidadãos de etnia macua, o direito a receber o valor integral do prémio, alegando que parte do mesmo ficaria sob a gestão do administrador do concelho, que o aplicaria em fundos ou depósitos onde rendesse juros que, oportunamente, reverteriam a seu favor.
Em certa ocasião, porém, saiu o segundo prémio da lotaria nacional numa cautela de um bilhete a um cidadão nampulense de etnia macua. Por se tratar de um valor relativamente elevado, um outro residente pretendia adquirir o bilhete de lotaria por valor superior, a fim de o remeter para Portugal, como se se tratasse de dinheiro (escudos) da metrópole, dadas as restrições de transferências de capitais da província. Contactou José dos Reis Bravo, propondo-se adquirir a referida cautela, dizendo-lhe que tentasse convencer o premiado de tal intenção, pois lhe seria mais vantajoso receber uma quantia algo superior à do prémio (em escudos moçambicanos). José dos Reis Bravo ficou apreensivo com tal proposta, além de poder incorrer nalgum tipo de responsabilidade cambial, pelo que a declinou. José dos Reis Bravo, acompanhado de Juma Martade, entregando o valor do prémio ao premiado , ladeado pelo cauteleiro «Pastola Sitora»
Pelo contrário, optou por reconhecer o incondicional direito de uma pessoa a receber, em plena autonomia da vontade (e na plenitude das suas faculdades), o valor de um prémio de lotaria, combinando com o cidadão ganhador a data do recebimento do valor correspondente, para o que levantou oportunamente o montante no Banco. Aquele compareceu na data combinada para receber o seu valor, a contado, em cima do balcão da Casa Reis, entregue por José Bravo e por Juma Martade. O evento é testemunhado por muitos populares, tendo sido notícia nos jornais e na Rádio.
O premiado investiu o valor do prémio num camião, que foi de imediato encomendar na Pendray Sousa, e não consta que tivesse aplicado mal o remanescente.