quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Série askari (21)

Askaris do Império colonial alemão (Tanganica), desfilando em Dar-es-Salam.

sábado, 22 de outubro de 2011

Breve memória familiar e comercial da África Oriental portuguesa (XIX) – Uma infância africana (3.ª parte)

A família Reis Bravo não vivia propriamente com dificuldades (embora não se pudesse dizer que vivia desafogadamente), mas sempre se fez questão de moderar as despesas, reutilizando e reciclando roupas, utensílios e livros escolares, havendo a clara noção da necessidade de racionalizar as finanças familiares. A mãe e os irmãos

Em termos educativos e disciplinares, os irmãos António e Jorge não deram especiais preocupações aos pais, tendo um percurso escolar normal. Privilegiavam-se como castigos as privações de privilégios e proibições de saídas de casa ou de idas ao cinema e à piscina, uma das principais atracções de recreio para a juventude de Nampula. Também era fomentado o mérito escolar, com a atribuição de prémios por notas elevadas. Tó entre amigos e crianças protegidas numa Missão


Entre os amigos mais próximos dos irmãos Tó e Jorge, podem enumerar-se, sempre com risco de alguma injustiça de omissão, os colegas Vidinhas, Francisco Matias, Nandocas e Ulisses Marta da Cruz, “Kiko”, Luís Moutinho, José (Manuel dos Reis) Pereira, Jorge Nascimento, Peixe, Xavier, José Miguel Morgado, Zé Rebelo, Tó Mané Correia. Entre as amigas, que também as havia, podem enumerar-se as irmãs Cruz, bem como as colegas Ângela Dias, Ana Maria Hernâni, Ângela Margarida (“Guida”) Pires, Nani Bragança, além dos irmãos e vizinhos Armando e Alda Gonçalves. Apenas uma vez, após “brincadeira” que poderia ter tido consequências muito nefastas – pedradas atiradas reciprocamente, tendo acertado uma no queixo de António –, o pai castigou ambos corporalmente (com reguadas nas mãos), após sutura do queixo de Tó, no Hospital, salientando de forma mais “veemente” a inconsciência e gravidade das consequências (para os próprios) da “brincadeira”. Aspecto parcial da Av. Presid. Carmona (actual Paulo S. Kankhomba)

Certo dia, um episódio fugiria à rotina no quotidiano de Jorge: encontrara um miúdo negro a pedir esmola, e não tinha dinheiro nem outros bens para lhe dar. Nessa altura, o camarão pequeno e o amendoim eram servidos gratuitamente quando acompanhassem cerveja ou outras bebidas, nos restaurantes e cafés. Pensou então num estratagema que, se batesse certo, aliviaria a fome do miúdo e dirigiram-se os dois à esplanada da Pousada Moura. Aí, pediu ao empregado que lhes trouxesse um prato de amendoim e um prato de camarão acompanhados de… água. O empregado ficou surpreendido, mas, ou porque tivesse percebido a situação ou porque tivesse decidido assumir ele alguma comparticipação na «despesa», serviu o pedido e trouxe os pratos de camarão e de amendoim, acompanhados de … água. O pequeno comeu, deliciadamente, o camarão e o amendoim, e Jorge bebeu água. Esplanada da Pousada Moura


No final, perguntou ao empregado «se…era alguma coisa»?, tendo-lhe este respondido que «Não», não deixando de sorrir, ante o expediente ardiloso para atenuar a fome daquele miúdo, do qual nunca mais soube. Jorge agradeceu ao empregado, que já conhecia de vista e entre ambos nasceu uma relação de respeito e amizade cúmplices, desde esse dia.






(Fotos ext. do Livro Recordações de Moçambique, Carlos Alberto Vieira, Aletheia Ed.)

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Vendedoras

Vendedoras, de E. Loureiro (in Lourenço Marques, edição da Direcção de Portos, Caminhos de Ferro e Transportes de Moçambique).


Breve memória familiar e comercial da África Oriental portuguesa (XVIII) – Uma infância africana (2.ª parte)

Também há que recordar alguns dos empregados mais relevantes da sociedade Domingos dos Reis & Sobrinho, Ld.ª.

O decano empregado da Casa Reis era Juma Martade, que fora admitido ainda antes do início da sociedade, por Domingos dos Reis, ancião respeitado e respeitável e figura influente no meio laboral das diversas firmas comerciais do centro da cidade, cujos empregados o consultavam quando havia conflitos e crispações com o patronato. Na firma Domingos dos Reis & Sobrinho já tinha um estatuto praticamente honorífico, apresentando-se no local de trabalho e supervisionando algumas tarefas de outros empregados.


É justo lembrar, ainda, as empregadas Dália, Mabília e Ivone Rente, que trabalharam durante algum tempo na firma. Juma Martade


Eugénio José Moreno foi um empregado que rapidamente se destacou e mereceu a confiança de José dos Reis Bravo, que observou nele dotes de inteligência, disciplina, ambição e capacidade de organização. Propôs-lhe que tirasse o Curso Nocturno de Contabilidade e Técnica Comercial na Escola Industrial e Comercial Neutel de Abreu, o que fez com bom aproveitamento. Sempre foi um empregado protegido e da maior confiança. É actualmente quadro de destaque numa empresa em Nacala-Porto. Eugénio José Moreno

Para além do sistema de ensino formal e institucional, Jorge aprendeu muito com o que hoje pode, com propriedade, chamar a “trindade de sabedoria africana», composta pelos seus três “mestres macuas”, Jumah Martade (o mais antigo e fiel empregado da Casa Reis), Roque (capataz do armazém da firma Zuid) e Ismaíl Sabur (mainato e cozinheiro da família). Os dois primeiros, mais velhos (“cocuanas”), e o terceiro eram repositórios de sabedoria oral, que Jorge gostava de escutar depois do almoço, na tranquila hora da «sesta» e na pausa do trabalho deles.


Aspecto parcial de Nampula



Todos eles eram muçulmanos, sendo Ismaíl, inclusivamente, uma espécie de auxiliar do imã da mesquita do seu bairro. Talvez fosse esse exotismo que atraía Jorge, ao “beber” as palavras das histórias daqueles dois anciãos e de Ismaíl, os quais não mostravam especial contemplação com as suas asneiras e pequenas traquinices infantis.

Censuravam-no e exortavam-no a respeitar “os madalas” (os velhos) porque isso era um valor sagrado para a sua cultura. As suas conversas não eram só sobre religião, versando muitos outros assuntos, como os costumes e tradições nativos, aspectos da história oral africana, a fauna e flora da região, a caligrafia árabe (por eles dominada, nos seus estudos religiosos), os acontecimentos da Província, a actualidade da guerra colonial, a situação social e laboral dos negros nativos.

Formavam uma roda, geralmente no corredor de acesso ao armazém da Zuid, em que fumavam cigarros Havana (de que Jumah se abastecia, por ter a prerrogativa de não pagar o tabaco na Casa Reis) e aos quais se juntavam outros trabalhadores de empresas vizinhas na hora da pausa de trabalho. Apesar de falarem em macua, tinham a gentileza de traduzir para português o que Jorge não compreendia. Esses ensinamentos e aprendizagens contribuíram inconscientemente, mas de forma decisiva, para a formação da personalidade de um rapazito curioso. Os irmãos na piscina de maré da Ilha de Moçambique


José e Maria Vitória sempre fizeram questão de inculcar nos filhos o respeito por todas as pessoas, independentemente da raça, religião, profissão ou estatuto sócio-económico, o que era apanágio do próprio relacionamento comercial da Casa Reis, que não estabelecia qualquer tipo de descriminação entre os seus clientes. Acima de tudo, vigorava uma lógica de respeito geral pela condição de todas as pessoas, incentivando o convívio com colegas de todas as raças e condições sociais e económicas, o que se traduzia na prática quotidiana da vida escolar, desportiva e social dos irmãos António e Jorge.

José dos Reis Bravo, com cliente, no estabelecimento


José dos Reis Bravo, com dois filhos de trabalhadores da machamba dos amigos José e Maria Ricardo

sábado, 8 de outubro de 2011

Breve memória familiar e comercial da África Oriental portuguesa (XVII) – Uma infância africana

Em Setembro de 1964 junta-se à família, em Nampula, José Manuel Roxo de Almeida, irmão de Maria Vitória, que fora contratado para trabalhar no Banco Nacional Ultramarino, o qual ficou, naturalmente, instalado na casa da família, passando a ser um membro integrante do agregado familiar, quase um irmão mais velho dos sobrinhos. A sua presença constituiu sempre um apoio amigo e disponível para os sobrinhos, que nele reconhecem o exemplo de dedicação e interesse pela sua formação e instrução, que ajudou a completar.





Maria Vitória, José Manuel e os irmãos Jorge e António




Após o nascimento dos dois filhos mais velhos (o terceiro viria a nascer em 1972), o casal Reis Bravo, que estava já integrado no meio comercial de Nampula, procurou sempre que os mesmos tivessem as experiências normais dos rapazes da Província, na época. Para além de outras amizades já solidamente estabelecidas, deve salientar-se a da família composta por José Miguel Morgado (futuro reitor do Liceu de Nampula e Presidente da Câmara Municipal) e Maria Dulce Morgado, que foi professora primária de Jorge, e com quem sempre mantiveram relacionamento de grande amizade. Muitos outros amigos – alguns já falecidos – integravam o seu círculo de relacionamento social, no qual se incluíam Dégio (desenhador técnico municipal) e Ju Moutinho (da Pendray & Sousa) e seu filho Luís, Arnaldo Constantino e família, a família Nazaré (da Espingardaria Nazaré), a família Marcelino e Luísa Cruz (contabilistas) e seus filhos. Os irmãos em Angoche, em 1967


A escolaridade de António (Tó) e Jorge foi nas Escolas Primárias Roberto Ivens e Pêro da Covilhã, tendo Jorge feito a 3.ª classe em Castelo Branco, onde esteve com os avós, por motivos de saúde, onde teve como mestre o saudoso Professor Tomé, na Escola do Bairro do Cansado.
É de evidenciar a qualidade do ensino nessa época ministrada, sendo de elementar justiça realçar o magistério das professoras Maria Dulce Morgado e Fernanda Louçã, cuja metodologia de trabalho e dedicação aos alunos ficaram como exemplo para Jorge. De sublinhar, ainda, a orientação que Jorge tinha com a Professora Lizete Matias (irmã da Professora fernanda Louça e esposa do Director Escolar, Dr. Matias), por ser colega do filho, Francisco Matias, e com ele estudar e brincar em conjunto.



Os irmãos e Liró


As Férias de família eram passadas quase invariavelmente na praia das Chocas e os tempos livre de fim-de-semana, na piscina do Ferroviário. Os irmãos na Piscina do Clube Ferroviário


Podem também recordar-se professores do então chamado Ciclo Preparatório – que funcionava na Escola (Técnica) Industrial e Comercial Neutel de Abreu –, como o professor Hermínio Cruz (Matemática), os Mestres Kay e Pereirinha (Trabalhos Manuais), o Professor Vamona Sinai Navelcar (Desenho) – conhecido como “Ganesh” nos circuitos internacionais das Artes Plásticas –, artista de enorme talento, o Professor Aristides Abreu (Francês), que muita influência tiveram na instrução e na formação integral (técnica, artística e humana) dos irmãos. Já no Liceu Gago Coutinho, não seria legítimo esquecer a Professora Gulbano (Geografia) e os Professores Câmara Pestana (Ed. Física) e esposa, Maria da Luz (Francês).

O sistema de ensino, na época, não era inclusivo, não providenciando escolarização à grande maioria das crianças nativas. Havia, é certo, colegas negros nas escolas da cidade, que eram sobretudo filhos de operários especializados (sobretudo dos Caminhos de Ferro e firmas da cidade), de enfermeiros, de funcionários da administração, os quais, apesar de integrados, eram uma minoria. A escolarização das camadas da população nativa era feita maioritariamente nas Escolas das Missões católicas e protestantes, e nos Seminários e, no tocante a escalões etários superiores, nos Cursos Nocturnos, que eram ministrados na Escola Técnica Neutel de Abreu.
A família no Parque Felgueiras e Sousa



António e Jorge nunca foram especialmente cumpridores dos deveres (voluntários) da Mocidade Portuguesa, que vela, canoismo, parquedismo, ténis de mesa e outras) que, apesar de tudo, revestiam inequívoco interesse para a formação integral dos jovens. Porém, as atenções da altura eram dirigidas para outros domínios e havia que contar, também, com a “concorrência” do Corpo Nacional de Escutas, que despertou a preferência dos irmãos, sendo ambos «lobitos» no Agrupamento da Paróquia, do Chefe Petim, tendo Jorge chegado a ser "Chefe de Alcateia" e vindo António a manter-se ligado até hoje, como dirigente, ao CNE.



Os «lobitos» António, "Kiko" e Jorge, junto à Casa Reis

A prática de diversos desportos era uma constante, desde o futebol, passando pelo ténis e ténis de mesa, ao Minibasket, desporto na época, em fase de implantação e que mereceu logo a adesão de Jorge, em várias equipas, algumas orientadas pelo saudoso treinador “Bic” e pelo treinador-adjunto “Frank”.


A brilhante equipa de Minibasket, treinada por mestre "Bic" e pelo adjunto "Frank", no Pavilhão de Desportos do Clube Ferroviário; sentados, da esquerda para a direita, Mário Lisboa (depois jogador e treinador da mais alta craveira, em Moçambique e em Portugal), Carlos Conceição, Márito Marta da Cruz (mascote), Zé Duro, Rui Pratas Ribeiro; de pé, João Carlos ("Russo"), Júlio (Lito) Peixe, Fernando (Nandocas) Marta da Cruz, mestre "BIC", Jorge Bravo, Carlos Osório de Castro e "Frank", treinador-adjunto.

domingo, 2 de outubro de 2011

Ilhas




«Ninguém, em verdade, viaja para uma ilha. As ilhas existem dentro de nós, como um território sonhado, como um pedaço do nosso passado que se soltou do tempo».




{Mia Couto}