domingo, 28 de outubro de 2007

Ordálios fugazes

Desdivinizemos
esses territórios
saturados do leite e do mel
subtraídos à facilidade
do consumo

esses ordálios
ímpares e fugazes
que fermentam
o genoma
de toda a Humanidade

no dealbar das escórias
insalubres dos morros,
argamassados em lágrimas e podridão
mas de traça
imensamente perfeita

à imagem e semelhança
do redentor

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

A razão das perguntas

Por vezes, só depois
percebemos a razão
das perguntas
que devemos fazer

Por vezes, só mais tarde
compreendemos a força
das coisas
que acontecem

acontecendo nelas

Por vezes,
demasiadas vezes,
não entendemos as respostas
porque não sabemos
as perguntas
que devemos fazer

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Mesquita grande

Mesquita grande


Neste raso Olimpo argamassado em febre
E coral, o Deus maior sou eu. Por mais
que as pedras, os muros e as palavras afirmem
outra coisa, por mais que me abram o corpo
em forma de cruz e me submetam a árida

voz às doces inflexões do contochão latino,
por mais que a vontade dos pequenos deuses
pálidos e fulvos talhe em profusas lápides
o contrário e a sua persistência os tenha
por Senhores, o sangue que impele estas veias

é o meu. Pórticos, frontarias, o metal
das armas e o Poder exibem na tua sigla
a arrogância do conquistador. Porém o mel
das tâmaras que modula o gesto destas gentes,
o cinzel que lhes aguça a madeira dos perfis,

a lenta chama que lhes devora os magros rostos,
meus são. Dolorido e exangue o próprio
Cristo é mouro da Cabaceira e tem a esgalgada
magreza de um velho cojá asceta.

Raça de escribas, mandai, julgai, prendei:
Só Alah é grande e Maomé o seu profeta.

Rui Knopfli